Uma cidade no interior do Maranhão pode desaparecer por causa do avanço de uma série de voçorocas
Esse fenômeno faz parte da realidade do município de Buriticupu há mais de 30 anos. Ao menos 27 famílias tiveram que sair de casa por conta desse evento geológico e que se caracteriza pela formação de buracos em áreas sem a proteção vegetal. A região já soma mais de 20 aberturas. O cenário se agravou nos últimos dias em decorrência das chuvas que estão atingindo a cidade.
Diante do aumento das voçorocas, o prefeito do município precisou decretar estado de calamidade pública no início da semana. A cada ano essas crateras avançam em média 5 metros sobre a cidade e por onde elas passam, vão engolindo os quintais das casas e ameaçando bairros inteiros.
Para falar mais sobre o assunto, conversamos com o Marcelino Farias, que é professor do curso de Geografia da Universidade Federal do Maranhão.
É possível recuperar essas áreas? A vida na cidade poderá seguir normalmente?
Na região, nós temos uma uma condição muito especial ambiental, pois temos um relevo bastante e irregular com um solo muito frágil. A geologia é frágil também.
Quando se fala em recuperação, nós poderíamos pensar no processo apenas de contenção, nesse momento, para evitar que mais vidas sejam perdidas, que mais casas sejam perdidas e que rios desapareçam.
Entretanto, no estudo que eu tenho feito na região, o que tem acontecido é que muitos administradores não dão a devida atenção para a área e, muitas vezes, mudam bairros inteiros, como no caso do conjunto habitacional que foi entregue em 2017. Foi construído justamente para abrigar parte das famílias que estavam em risco e não foi feito um planejamento adequado para que essas moradias fossem implantadas no lugar mais seguro. De modo que, em poucos anos, uma área que foi construída como alternativa, acabou sendo vulnerabilizada novamente e as famílias continuam em risco.
Existem fatores que foram sendo construídos ao longo dos anos para justificar o que nós estamos vendo nesse momento? O desmatamento ou o crescimento da cidade sem controle influenciou esse fenômeno?
Sim. Há as condições naturais que já falamos, mas ao mesmo tempo nós temos uma cidade que cresceu numa área plana muito pequena e que foi se expandindo para uma área de declínio acentuado.
Então a parte original da cidade está numa área que fica mais ou menos a 300 metros do nível do mar e a parte de baixo do rio está a 100 metros, então tem um desnível muito grande. E como a cidade foi construída sem um planejamento urbano adequado, todas as ruas canalizam as águas para as encostas. Fora isso, tem um esgoto que segue em galerias e se despeja nessas áreas sem que haja uma contenção.
Então, ao longo do ano inteiro tem água alimentando esse processo erosivo. Não apenas no período chuvoso. Quando nós temos um período chuvoso intenso, temos então uma condição adicional.
É possível construir uma cidade nesse terreno seguindo normas e padrões sustentáveis ou aquele é um terreno que tem que ser inativado?
Parte do planejamento é cumprir a lei e não ocupar áreas vulneráveis. O papel do Estado, em todas as instâncias (municipal, estadual e federal) é inibir a ocupação dessas áreas que são frágeis. Entretanto, uma vez ocupada, cabe ao estado impedir que mais famílias construam nessa área, porque, mesmo tendo uma área vulnerável, vocês vão ver que tem famílias que não têm muita opção de moradia e acabam construindo suas casas nessas áreas, mesmo sabendo que em poucos anos ela será destruída.
Então há obras de engenharia que podem conter o processo, mas o estado precisa agir, instalando essas pessoas num lugar seguro, o que não tem acontecido.
O conjunto habitacional que foi construído para receber essa população foi construído num lugar que é tão frágil quanto o lugar onde essas famílias habitavam originalmente.
Tem áreas mais seguras no município. Não sei por qual razão foram deixadas de lado e áreas vulneráveis foram ocupadas. E com isso quem perde é a população, o poder público e o ambiente. Nós vamos perdendo recursos importantíssimos. Solo, rios e vida de pessoas, que é o mais grave.
Nós estamos falando de uma região, não apenas de um município. Vocês viram o município de Buriticupu, mas há vários outros com esse mesmo cenário catastrófico.
Em um estudo, nós conseguimos classificar a vulnerabilidade dos solos à erosão. Buriticupu tem, pelo menos, 50% de todo o seu território classificado como catastrófico ao risco de erosão. E são nessas áreas que surgem povoado, cidades e áreas agrícolas.
Nós vemos que não há um controle por parte do Estado, as pessoas, por falta de informação e oportunidade de renda, acabam habitando e utilizando essas áreas que são vulneráveis ambientalmente.
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