Quando o crime é organizado e o estado falha, as crianças se tornam presas fáceis
A inocência da infância fica no passado para dar lugar a um trabalho cheio de riscos e sem perspectiva de vida. Nessa reportagem da série especial ‘Marcas da Infância’, a equipe do JR entrou em uma unidade da Fundação Casa, em São Paulo, onde menores infratores sonham com um recomeço.
A leveza da brincadeira inocente na escola quando é interrompida se torna um pesadelo. Um menino franzino, 14 anos, acostumado a violência. Ele já foi vítima, já foi agressor.
Dérek (nome fictício) tem experiência em furtos e tráfico de drogas. Mesmo com as cordas vocais de uma criança, ele fala como homem feito.
Oxe, eu conheci um parceiro, ele estava traficando e perguntou se eu queria fica na campana. Aí eu fiquei, aí depois de dois dias eu fui trabalhar na ‘biqueira’.
Menor infrator
Quando o tráfico de drogas recruta uma criança significa que ela vai ter a infância perdida. Vai deixar de brincar, de estudar e de ficar com a família para servir ao crime. Por isso, essa é considerada uma das piores formas de trabalho infantil que existem. Os meninos sofrem pressão, ameaças e violência. E em boa parte dos casos, eles terminam trancados.
Assim como Dérek, Caio é interno da Fundação Casa, ladrão de motos e traficante. Ele conta como foi seduzido pelo mundo do crime ainda criança. Ele conta que entrou para o crime aos 12 anos.
Eu estava vendo os meninos traficando, ganhando aquele dinheiro, indo para o baile, gastando, torrando… As ‘novinhas’ vindo perto deles, torrando junto com eles. Acabei tendo aquela expectativa ‘será que é bom’.
Menor infrator
A mãe tentou resgatá-lo, mas não conseguiu. “Ela já foi na ‘biqueira’ atrás de mim. Falei ‘mãe, não posso sair, é compromisso. Se eu sair não sei o que acontece comigo. Aí ela começou a chorar, a dar tapa na minha cara. Foi um sentimento estranho. Doeu em mim”, conta o menor.

Ana Paula Galdeano, especialista em Violência, Infância e Adolescência, conta que “segundo a convenção 82 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o tráfico de drogas é uma das piores formas de trabalho infantil. Ele envolve jornadas muito extensas de trabalho. São adolescentes que trabalham de 6 a 12 horas, inclusive em trabalhos noturnos e perigosos. Eles estão submetidos a diversos riscos à saúde.”
No Rio de Janeiro, a instituição responsável pelos menores infratores é o Departamento Geral de Ações Socioeducativas.
Em uma cidade onde o crime organizado também tem forte influência, mães e pais sentem-se desprotegidos.
A sensação de impotência… Cara, como é que eu não vi isso? Como é que eu não me despertei antes? Como é que eu não prestei atenção? Como essa garota estava encaminhando para esse caminho?
José Carlos Silva, pai de interna
O filho de Valéria foi morto antes de completar 18 anos, depois de uma sequência de roubos e internações. “A influência entre eles pesa muito, sabe. E chega um momento em que a gente não tem como escolher amizade dos nossos filho”, conta Valéria.
Na Fundação Casa, em São Paulo, a rotina dos internos é de disciplina e recomeço.
Normalmente eles chegam aqui com a seriação errada. Não sabem ler e escrever. Não fizeram as práticas de infância, não jogam bola, não vão para escola, não têm nada do que a infância permite para um desenvolvimento saudável no futuro.
Flávia de Barros, diretora da Fundação Casa, em São Paulo
O grupo de voluntários do programa Universal Socioeducativo Brasil chega para mais uma visita aos menores.
Na unidade da Fundação Casa visitada pela equipe de reportagem estão internados mais de 40 adolescentes infratores, todos reincidentes; ou seja, já foram enviados para Fundação Casa pelo menos duas vezes. A maioria está aqui por conta do tráfico de drogas. Os voluntários levam uma palavra de esperança para esses adolescentes.
Ulisses Gomes, responsável pelo trabalho, fala a língua dos jovens. “Na verdade, quando eles caem, voltam a ser adolescentes. Eles querem ajuda, querem poder desabafar, conversar, pedir ajuda para sair do crime, deixar o crime. Na palestra presenciada pela reportagem, a história de quem viveu a mesma realidade no tráfico”.

Katiene da Silva já viveu o mundo do crime e agora é uma das voluntárias. Ao ser questionada sobre o que passava em sua cabeça quando entrou para o tráfico, com 12 anos, ela responde:
Que eu ia conseguir ter o que eu não não tinha conseguido em casa: dinheiro, atenção do meu pai (…) O tráfico promove uma certa fama para os adolescentes e para as crianças.
Katiene da Silva
Katiene conseguiu sair do crime e quer ser exemplo para os meninos que vivem o dilema entre o dinheiro fácil e uma vida em paz.
Ela diz que o que mais lhe faz falta, hoje em dia, é a infância. “Eu pulei essa etapa. Machuca muito, porque se eu pudesse eu voltaria no passado e faria tudo diferente. Só que não volta mais”.
Caio e Dérek também já perderam a inocência da infância. Resta saber que caminho vão seguir depois da internação.
Quando sair daqui eu quero ver a minha sobrinha (…) Ficar brincando de esconde-esconde com a minha sobrinha.
Menor infrator
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