50 anos de mistério: caso Araceli é um símbolo da impunidade

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50 anos de mistério: caso Araceli é um símbolo da impunidade
D.R.

No dia 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, recordamos o caso de Araceli

Um crime que abalou o Brasil há 50 anos e que até hoje não teve nenhum culpado preso. Araceli tinha oito anos quando foi raptada, agredida e morta. Pela primeira vez, o irmão da menina quebra o silêncio e revela detalhes do dia em que ela desapareceu. Ele fala também das consequências dramáticas que a morte causou para toda a família.

Acompanhe a reportagem de Raul Dias Filho!

Cinquenta anos atrás, o caso Araceli repercutiu em todo o Brasil pela crueldade dos assassinos e pela impunidade que sempre marcou o caso. Um crime que até hoje é lembrado pelos moradores de Vitória, no Espírito Santo.

No dia 18 de maio de 1973, a menina de apenas oito anos saiu para ir à escola e nunca mais voltou. Antes de sair de casa, a mãe da menina, Dona Lola, escreveu um bilhete à professora pedindo que a liberasse mais cedo, devido ao horário do ônibus que a traria de volta para casa.

No entanto, a menina parou em um bar que ficava há poucos minutos na escola.

Uma testemunha que trabalhava no bar disse que Araceli perdeu o ônibus. Ela teria se distraído ao ficar brincando com um gato.

Luiz Carlos Cabrera Sanchez Crespo, o único irmão de Araceli que na época tinha 13 anos conta como tudo ocorreu. Ele e a irmã iam todos os dias juntos no ônibus, embora estudassem em escolas diferentes.

Hoje, Luiz Carlos tem 63 anos e vive em Toronto no Canadá, para onde se mudou com a família há 21 anos atrás.

Pela primeira vez ele resolveu mostrar o rosto e falar sobre o caso. Mas o tempo e a distância nunca curaram as feridas. A dor de Luiz Carlos não é só pela morte da irmã mais nova. É por tudo que aconteceu antes, durante e depois da investigação.

Dona Lola, a mãe das crianças, chegou a ser acusada de tráfico e de ter envolvimento na morte da filha.

Se minha mãe fosse traficante, eu não teria percebido? Minha mãe nem saia de dentro de casa.

Luiz Carlos Cabrera Sanchez Crespo
50 anos de mistério caso Araceli é um símbolo da impunidade
Recorte de jornal da época | D.R.

O desaparecimento da menina virou manchete nos jornais de Vitória, mas ninguém a encontrava.

O corpo de Araceli só foi encontrado seis dias depois do desaparecimento em um ponto onde 50 anos atrás o cenário era bem diferente.

Não havia prédios nem muros. O lugar era de mata fechada e o corpo da menina foi encontrado por um adolescente que na época tinha 15 anos de idade. Ronaldo Monjardim hoje tem 65 anos.

Ele costumava caçar passarinhos no lugar e, por acaso, encontrou Araceli. Depois de encontrar o corpo, Ronaldo se tornou personagem da história e testemunha importante no processo. Até hoje ele se emociona ao voltar ao lugar que acabou marcando a vida dele.

A perícia concluiu que Araceli havia sido drogada, estuprada, assassinada, desfigurada e queimada.

Na época, três pessoas foram apontadas como suspeitas pelo crime: Dante de Brito Michelini, o filho dele, Dante de Barros Michelini e Paulo Helal.

A Justiça na época foi lenta e chegou a acusar a própria mãe da menina, a boliviana Lola Cabrera Sanchez, de envolvimento no crime.

A Polícia ouviu cerca de 300 pessoas, o que fez com que o processo chegasse a sete mil páginas e se arrastasse por longos sete anos.

Durante esse período, testemunhas consideradas essenciais morreram. Algumas em circunstâncias misteriosas. De acordo com os registros da época, pelo menos 14 pessoas direta ou indiretamente envolvidas com o processo morreram ou foram mortas.

O próprio Ronaldo Monjardim sofreu um atentado quando caminhava pela rua em Vitória.

Tentaram me atropelar. Eu vi que a coisa era bem séria, não era brincadeira. Eu estava mexendo com pessoas bem importantes e com capacidade para fazer coisas inimagináveis.

Ronaldo Monjardim

Mesmo assim, em 1980 a Justiça deu o veredito. Os dois rapazes Dante Michelini e Paulo e Helal foram condenados a 18 anos de prisão. Dante, o pai, condenado a cinco anos por cumplicidade.

Apesar de condenados, nenhum dos réus ficou muito tempo na cadeia. Na época, os advogados de defesa entraram com recurso. A sentença então foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo e um novo juiz foi designado para estudar o caso. Até que, em 1991, 18 anos depois da morte de Araceli, numa nova sentença de 747 páginas, o juiz absolveu os três acusados por falta de provas.

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O caso foi arquivado e até hoje, ninguém jamais foi responsabilizado pela morte da menina.

Nessa história de muitos erros, outro foi descoberto: a identidade de Araceli. A equipe do ‘Jornal da Record’ teve acesso à certidão de nascimento em que consta o nome correto da menina: Araceli Cabrera Sanchez e não Araceli Cabrera Crespo, como a imprensa sempre divulgou.

Cinquenta anos se passaram. Nesse tempo, a morte da menina alterou profundamente a vida de todos da família. Os pais de Araceli se separaram logo depois. Dona Lola voltou para a Bolívia. O pai, Gabriel, morreu em 2001. Abel, filho do segundo casamento dele, diz que o pai nunca falou a respeito de Araceli.

Os acusados pelo crime nunca falaram nada a respeito do caso Araceli publicamente. Dante de Brito Michelini já faleceu.

A equipe de reportagem procurou pelo filho dele, Dante de Barros Michelini, mas ninguém foi encontrado nos endereços onde ele supostamente viveria.

A reportagem esteve também no prédio onde Paulo Helal mora em Vitória, mas a informação recebida foi a de que ele estava viajando.

Araceli está ‘presente’ em Vitória. A rua onde a família morou se chama agora Rua Araceli Cabrera Crespo.

Ironicamente, a Avenida Dante Michelini termina exatamente onde começa o Jardim de Araceli, uma homenagem à menina retratada num viaduto da cidade.

Para lembrar a morte de Araceli, no dia 18 de maio se instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Araceli é também símbolo da luta contra a impunidade. Uma história sem fim…

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